quinta-feira, 15 de abril de 2010

Os Noivos - Nelson Rodrigues. [3]

Misericórdia.


Foi uma conversa que se alongou por toda uma noite. No seu desespero inicial, ele berrava: "Cínica! Cínica!". E soluçava: "Nunca teve um beijo meu, que sou seu noivo, e vai ter o filho do outro!". O pai, porém, conseguiu, após poucos, aplacá-lo. Sustentou a tese de que todos nós, afinal de contas, somos falíveis e, particularmente, as mulheres: "Elas são de vidro", afirmava. Alta madrugada, o pobre-diabo pergunta: "E eu? Devo fazer o quê?". Justiça se lhe faça - o velho foi magnífico: "Perdoar. Perdoa, meu filho, perdoa!". Quis protestar: "Ela merece um tiro!". Mais que depressa, seu Notário atalha:
— Ela, não, nunca! Ele, sim! Ele merece!

— Quem?

Baixa a voz: "O pai da criança! Esse filho não caiu do céu, de pára-quedas! Há um culpado". Pausa. Os dois se entreolham. Seu Notário segura o filho pelos dois braços:

— Antes de ti, Edila teve um namorado. Deve ter sido ele. Se fosse comigo, eu matava o cara que...

Ergue-se, transfigurado, quase eufórico: "Tem razão, meu pai! O senhor sempre tem razão!".


O Inocente.


Pôde, assim; desviar da noiva o seu ódio De manhã, passou pela casa de Edila. Com apavorante serenidade, em voz baixa, pediu o nome do culpado. Diante dele, a garota torcia e destorcia as mãos: "Não digo! Tudo, menos isso!". Ele sugeria, desesperado: "Foi o Pimenta?". O Pimenta era o antigo namorado de Edila. Ela dizia: "Não sei, não sei!". Salviano saiu dali certo. Procurou o outro, que conhecia de nome e de vista. Antes que o Pimenta pudesse esboçar um gesto, matou-o, com três tiros, à queima-roupa. E fez mais. Vendo um homem, um semelhante, agonizar aos seus pés, com um olhar de espanto intolerável, ele virou a arma contra si mesmo e estourou os miolos. Mais tarde, desembaraçado o corpo, foi instalada a câmara-ardente na casa paterna. Alta madrugada, havia, na sala, três ou quatro pessoas, além da noiva e de seu Notário. Em dado momento, o velho bate no ombro de Edila e a chama para o corredor. E, lá, ele, sem uma palavra, aperta entre as mãos o rosto da pequena e a beija na boca, com loucura, gana. Quando se desprendem, seu Notário, respirando forte, baixa a voz:

— Foi melhor assim. Ninguém desconfia. Ótimo.

Voltaram para a sala e continuaram o velório.



(...) Fim.

Um comentário:

  1. adoro tudo que você escreve, moça. adoro os contos, os poemas, os barulhos diários, não deixe de postar nunca, sentirei falta. hehe (; meus parabéns, linda!

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